Fundamentos de um repositório de pesquisa em UX

Sensorama Design
9 min readNov 4, 2022

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Como escalar e comunicar achados de pesquisa para os diversos times

Por Manoela Marandino e Luiz Henrique SimõesSensorama Design.

Para qualquer profissional da área de pesquisa em tecnologia, não é novidade que UX Research e Agile andam de mãos dadas em muitos contextos. Processos como a Sprint conferem à pessoa pesquisadora o tempo e alguns requisitos para preparar, conduzir, analisar e consolidar informações que recebe de diferentes fontes de conhecimento.

Em UX Research, nosso repertório é uma miríade qualitativa de caminhos e direções. E a tudo damos a qualidade sob a perspectiva de uso e pessoa usuária. A capacidade qualitativa está justamente aí: nas diversas condições possíveis e na história que contam. Quando conduzimos uma entrevista para entender a visão da pessoa usuária, estamos, de certa forma, codificando experiências através de uma história que informa sobre o processo que estamos investigando.

Em outras palavras, estamos reduzindo as informações que uma vez estavam espalhadas em categorias que sejam fáceis de identificar e agir sobre.

A pesquisa qualitativa e a indução interpretativa (vem que a gente explica no caminho)

Em pesquisa temos algumas profundidades de conhecimento já bem discutidas, além da qualitativa e quantitativa, há informações de grandezas objetivas, subjetivas e/ou dedutivas/indutivas, todas trabalhando juntinhas ali para formar uma historinha detalhada.

Mais especificamente, a indução é um pressuposto filosófico-científico que contempla respostas através de observações diretas. Lembra do Sócrates e do Aristóteles? É assim que eles faziam.

Um exemplo rápido é o que estudamos sobre a evolução dos modelos atômicos nas aulas de química. Para quem lembra, os filósofos gregos induziam que existia uma esfera indivisível, chamada de átomo — ἄτομος. Não havia ainda um sistema científico que descrevesse o motivo dessa indivisibilidade que alegavam ser a característica central. Foi através da observação não-sistemática, que a induziram.

Vale lembrar que uma informação indutiva não é obrigatoriamente de ser qualitativa. Por exemplo, se você pedir para uma criança estimar a quantidade de balas numa jarra, ela vai induzir uma informação quantitativa.

Ok, onde queremos chegar com isso?

Quando utilizamos nosso tão amado método qualitativo para a pesquisa, muitas vezes UX Researchers de várias frentes e perspectivas acabam por utilizar a indução observacional a fim de conferir e classificar as tais qualidades que estamos falando.

Um exemplo? Fazer uma entrevista, organizar um grupo de informações qualitativas e separar e agrupar as informações, baseando-se na indução natural da pessoa ou pessoas pesquisadoras sobre o sentido das informações. Usamos de categorias cujas estruturas se baseiam no nosso conhecimento junto de nossas vivências pessoais e de pesquisas passadas. Mapas de empatia/afinidade trabalham assim e vamos falar mais sobre eles adiante.

Dedutivo vs. Indutivo

No universo acadêmico, a construção e referências à informações é feita através da descrição de conhecimentos existentes veiculados sob uma norma de formatação, como ABNT, APA etc. Desse jeito, quando a gente argumenta algo no texto e inserimos, por exemplo (Autor, 2021), quem nos lê pode procurar ao fim do trabalho científico as referências que suportam o argumento em questão.

Também nos primórdios do universo acadêmico, muito se era discutido sobre a herança da filosofia e do conhecimento greco-romano; autores como Platão ou historiadores antigos como Tito Lívio frequentemente baseavam seus achados através da indução de observações, contando histórias que lentamente formavam um quebra-cabeça explicativo do motivo pelo qual tal objeto, sentimento, ação, existe daquela forma. A intuição é ótima para podermos nos posicionar no mundo em relação às nossas referências e pensamentos, ela nos ajuda a melhor organizar nossos pensamentos e associar informações previamente sabidas em relação a algum conhecimento novo. A indução, ou intuição, foi, porém, descartada pelo método empírico conforme a ciência se consolidava enquanto disciplina.

Como podemos construir um conhecimento a partir de fatos que estão tão somente na cabeça de outras pessoas? Como podemos formar uma disciplina, digamos, de psicologia, engenharia, administração, se cada pessoa que fizer parte do processo induzir tudo de um conhecimento que somente ela e seus pares mais próximos podem conhecer? Do mesmo modo que esta provocação foi feita pelos primeiros cientistas, devemos nos perguntar, enquanto pesquisadores de experiência (UX), quanto podemos construir um campo de conhecimento facilmente acessável, escalável e de ‘fácil digestão’ se não tivermos um sistema comum que possa referenciar nosso conhecimento de modo a escapar de nossas intuições, achismos, incertezas e, muitas vezes, memórias falhas? Sem contar que times de UX são vivos, pessoas entram, pessoas saem e o conhecimento — idealmente — permanece.

No universo de UX Research e aqui neste artigo, estamos focando justamente na organização destas referências de uma forma que stakeholders de business também saibam interpretar e acioná-las.

Quando inserimos uma citação daquela pessoa autora (ou daquela pessoa usuária), estamos construindo e vivendo o que se chama de método qualitativo-descritivo.

Principalmente no contexto brasileiro de pesquisa com pessoas usuárias, este método é utilizado de forma a confundir-se com a indução. Temos um milhão de informações de, digamos, entrevistas, e preparamos um consolidado através do agrupamento de informações para visualizar nossos achados. Primeiro observamos, coletamos informações e induzimos padrões em nossos dados para começar a descrevê-los. Você já se deparou com isso?

Na metodologia qualitativa, o processo descritivo nos fornece caminhos interessantes e com interface mais eficaz para fazer a ponte com informações quantitativas.

A codificação, um exemplo de método qualitativo-descritivo

Você já deve ter passado ou ouvido falar de uma situação onde, após uma longa e exaustiva pesquisa, chegando em importantes conclusões, a equipe de negócios envolvida não conseguiu compreender o valor do que foi exposto.

Apesar de passarmos bastante tempo entre outras pessoas pesquisadoras e pessoas usuárias quando nos debruçamos sobre um projeto, nossa entrega muitas vezes é direcionada para uma equipe de business ou tecnologia. Nem todos conseguem compreender os resultados encontrados na investigação qualitativa quando terminamos de consolidar tudo que aprendemos.

Claro, sabemos que a cultura de design e pesquisa ainda precisa ser incentivada em equipes de business ou em empresas com estruturas mais tradicionais. Porém, até mesmo para equipes dispostas a incorporar métodos de pesquisa no seu dia-a-dia, o momento de entrega de achados pode ser uma barreira.

Entregáveis de pesquisa qualitativa são, geralmente, grandes consolidados de análises indutivas-descritivas, descrevem qualidades, características, entre outros detalhes que, para equipes que passam os dias analisando métricas e números, podem ser enigmas.

O que faremos com isso? Como é possível entender o que é mais relevante ou o que é irrelevante? Pode parecer exagero falar dessa forma, mas o momento da entrega é o momento em que grandes profissionais se destacam de profissionais medianos, conforme conseguem se comunicar de forma efetiva e assertiva na entrega do trabalho.

Acreditamos que o processo de codificação — qualitativo-descritivo — de informações é uma das maneiras mais efetivas de criar uma ponte de comunicação entre diferentes atores de um projeto. A análise baseada em codificação também é chamada de tagueamento. A partir dela conseguimos apresentar achados de formas muito além de uma simples exposição, como por exemplo, em um gráfico de Pareto, que determina a focalização dos esforços de melhoria.

Constantemente lidamos com problemas complexos e você, como pessoa pesquisadora, pode até ter entendido (após semanas de imersão) por onde começar, mas é preciso comunicar às outras áreas e traçar um plano estratégico. Ter todos os problemas separados em tags e priorizados é uma ótima forma de começar.

O trabalho qualitativo-descritivo da codificação nos permite trabalhar quantitativamente com as categorias gerais e específicas inferidas. Para comunicar de forma efetiva uma análise heurística, por exemplo, a própria metodologia da heurística concebida através do NNGroup pode nos fornecer caminhos para saber o que categorizar. Gravidades das análises conduzidas, número de princípios violados e assim por diante.

Caso o processo seja o de analisar uma série de entrevistas, softwares como Dovetail ou Airtable podem auxiliar o processo de codificação, tornando identificáveis frases ditas numa entrevista através de uma só palavra, como, por exemplo: Pagamento, Usabilidade, Fechamento, Login etc.

E como começar a codificar?

A sintetização de informações no meio business, em especial no contexto tech, tem se resumido a duas modalidades: dashboards e apresentações com foco visual dos resultados esperados e/ou atingidos. Quando apresentamos informações qualitativas, em grande maioria, as informações que trazemos não são descritas da forma que business está acostumado.

Um mapa de afinidade, o clássico do Design Thinking, pode auxiliar e muito designers nos estágios iniciais de categorização da informação. O mapa fornecerá caminhos de informações qualitativas mais presentes e como podemos criar, dentro destas categorias, caminhos que guiem os dados obtidos das pessoas usuárias.

Alguns times usam frameworks de métricas, como o H.E.A.R.T a fim de entender informações e acioná-las sempre unidas às métricas que as movem em direção aos objetivos de negócio. O mais interessante aqui é decidir alguns temas básicos: quais são as temáticas informacionais de relevância para o sucesso desejado, ou, em outras palavras, o que cada área do negócio precisa saber para que eu possa criar categorias e alimentá-las de informações facilmente acionáveis. Por exemplo, as informações podem vir de pessoas usuárias, bases de dados de SAC, analytics, necessidades da diretoria, de back-end etc, fornecendo os pilares que ajudam a nortear os objetivos mapeados.

Uma taxonomia básica é melhor que taxonomia nenhuma. Ajuda a unir a visão design + business e assim nascem repositórios de pesquisa valiosos. :)

Alguns passos interessantes para começar a oferecer uma visualização de insights que seja mais familiar para business são:

  1. Ter a jornada da pessoa usuária mapeada para entender em quais estampas dela cada grande grupo do mapa de afinidade se encaixa.
  2. Sentar junto a POs, PMs e stakeholders para levantar quais são as métricas das grandes etapas do produto e/ou empresa.
  3. Juntar os achados já mapeados.
  4. Criar uma planilha onde cada coluna, por exemplo, é uma etapa onde achados já codificados de entrevistas, workshops ou metodologias de design podem ser encaixados.

A partir daí é possível iniciar o processo de encontrar redes de informações que antes estavam separadas a fim de deduzir insights de maior amplitude e alcance para as operações e estratégias de pesquisa. Muitas vezes isso ajuda a aprimorar a própria taxonomia, destacando o que é importante registrar e como fazê-lo para que os dados sejam ainda mais acionáveis.

Aqui estamos exemplificando processos de pesquisa e como fornecer visualizações eficientes para stakeholders, mas, para exemplos de como enriquecer este processo com a quantificação mais simplificada de dados ou como ligar processos na construção de um repositório de pesquisa, deixamos aqui também este outro artigo nosso sobre construção de repositório e este sobre a quantificação básica de dados qualitativos que explora mais o tema.

Para ancorar alguns exemplos levantados, eis uma dashboard BI que fizemos utilizando o modo como stakeholders estão acostumados a ver informações de business, só que dessa vez a estratégia é Design.

Consulte nossa dashboard de exemplo

Em resumo, pense em como seus stakeholders vêem as informações e como podem aproveitar as que você traz. Muitas vezes, pensamos que a comunicação entre times que se expressam de forma quantitativa e qualitativa é quase impossível, mas com um pouco de esforço dos dois lados é possível fazer com que todos os dados trabalhem a nosso favor — e o mais importante, a favor do usuário.

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